domingo, 28 de março de 2010

Para que serve a crítica?*

Para que serve a crítica?*
Baudelaire

Para que serve? Ampla e terrível questão que agarra a crítica pela gola desde o primeiro passo que ela quer dar, já no primeiro capítulo.

O artista censura a crítica, antes de tudo, por considerá-la incapaz de ensinar qualquer coisa ao bruguês – que não deseja pintar nem versejar – ou à arte – já que é de suas entranhas que nasceu a crítica.

E, no entanto, quantos artistas contemporâneos devem tão somente a crítica sua mísera reputação! Talvez seja essa a verdadeira objeção a lhe ser feita.

Viu-se em Gavarni, que representa um pintor curvado sobre sua tela, às suas costas, um senhor – grave, seco, rígido e de gravata branca – com seu último folhetim à mão. “Se a arte é nobre, a crítica é sagrada.” “Quem disse isso?” “A crítica!” Se o artista muitas vezes representa um papel de destaque, isso ocorre, sem dúvida, porque o crítico é um crítico como tantos.

Quanto aos métodos e procedimentos das próprias obras,** o público e o artista nada tem a aprender aqui. São coisas que se aprendem no ateliê e ao público só importa o resultado.

Acredito sinceramente que a melhor crítica é a crítica divertida e poética; não uma crítica fria e algébrica, que, a pretexto de tudo explicar, não expressa nem ódio nem amor e se despoja voluntariamente de toda espécie de personalidade, mas – como um belo quadro é a natureza refletida por um artista – aquela que seja esse quadro refletido por um espírito inteligente e sensível. Dessa forma, a melhor apreciação de um quadro poderá ser um soneto ou uma elegia.

Mas esse gênero de crítica está destinado às coletâneas de poesia e aos leitores poéticos. Quanto à crítica propriamente dita, espero que os filósofos compreendam o que vou dizer: para ser correta, ou seja, para ter sua razão de ser, a crítica deve ser parcial, apaixonada, política – isto é, concebida de um ponto de vista exclusivo, mas que descortina o máximo de horizontes.

Exaltar a linha em detrimento da cor, ou a cor à custa da linha, é talvez um ponto de vista; todavia, não é nem muito amplo nem muito correto e revela uma grande ignorância dos destinos particulares.

Ignora-se em que proporção a natureza misturou, em cada espírito, o gosto pela linha e o gosto pela cor, assim como se desconhecem os misteriosos procedimentos pelos quais ela realiza essa fusão, cujo resultado é um quadro.

Assim, um ponto de vista mais amplo será obviamente o individualismo: exigir do artista a simplicidade e a expressão sincera de sua personalidade, ajudado por todos os meios que seu ofício lhe fornece. Quem não tem personalidade não é digno de fazer quadros e – como estamos fartos dos imitadores e principalmente dos ecléticos – deve tornar-se aprendiz de um pintor de personalidade.

Munido doravante de um critério certo, extraído da natureza, o crítico não deixa de ser homem e a paixão aproxima as personalidades afins e eleva a razão a alturas insuspeitadas.

Stendhal disse em algum lugar: “A pintura não é mais que a moral construída!” Se a palavra moral for entendida em um sentido mais ou menos liberal, será possível dizer o mesmo de todas as artes. Como estas sempre são o belo expresso pelo sentimento, pela paixão e pela imaginação de cada um – isto é, a variedade na unidade ou as mútiplas faces do absoluto –, a crítica se aproxima a todo instante da metafísica.

Como cada século e cada povo têm a sua própria expressão de beleza e de moral – se se quer entender por romantismo a expressão mais moderna e mais recente da beleza –, o grande artista será então, para o crítico sensato e apaixonado, aquele que unirá à condição acima exigida a ingenuidade, o máximo de romantismo possível.

* Do artigo “Salão de 1846”, incluído em Curiosités Esthétiques, coletânea de artigos de crítica de arte, publicado postumamente em 1869.

** Bem sei que a crítica atual tem outras pretensões; é por isso que recomendará sempre o desenho aos coloristas e a cor aos desenhistas. Que gosto incrivelmente sensato e sublime.

retirado do blog http://anarochacwb.wordpress.com/2010/02/26/para-que-serve-a-critica/ em 28/03/ 2010

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